sexta-feira, 19 de março de 2010

Fé e economia - O tabu da teologia Por: CHED MYERS, Budista norte-americano

Fé e economia - O tabu da teologia 
Por: CHED MYERS, Budista norte-americano

A teologia também tem de tratar de economia, mas numa visão profundamente alternativa: a da Bíblia. Maná, sábado, jubileu, ensinamentos e vida de Jesus lidos, partindo do coração do atual sistema econômico global, os EUA.
Não é o sexo. Nem sequer a política. O verdadeiro tabu da teologia é a economia. «Gastamos o nosso dinheiro como se não conhecêssemos o Evangelho; e lemos o Evangelho como se não tivéssemos dinheiro», afirma o jesuíta John Haughey, sublinhando um sentimento difuso entre os teólogos e na Igreja dos Estados Unidos.Contudo, hoje, nenhum outro aspecto influencia tanto a vida individual e coletiva como o econômico, e poucos outros assuntos são rebuscados de forma tão incisiva nas Escrituras como os econômicos.
O principal desafio que hoje a família humana tem de enfrentar é a iníqua distribuição de riqueza e poder. Um modelo econômico que transfere a riqueza dos cada vez mais pobres para os cada vez mais ricos. As políticas neoliberais de reajustamento estrutural não só tornam mais dura esta polarização como cavam um fosso mais profundo de alienação física e social.
Quando vemos que o vendedor de fruta tem de fechar a loja, ou que empresas familiares não conseguem sobreviver, no Norte, também estamos a ser testemunhas daquela destruição que, como uma epidemia, tem vindo a devastar as culturas locais, as instituições e a natureza no Sul.
Qualquer teologia que se recuse a enfrentar esta realidade torna-se fútil. E cruel. Nós, cristãos, temos o dever de discutir economia, de falar dela confrontando-a com a economia do Evangelho. «As igrejas talvez se tenham tornado no último refúgio da nossa cultura onde se pode falar abertamente de valores sem ser de mercado», afirma Cornel Wesa, professor de estudos afro-americanos e de filosofia da religião na Universidade de Harvard. Aqueles que tentam desafiar o capitalismo pós-moderno e o seu mercado auto-refencial estão já a lutar por uma linguagem e uma prática alternativas. Num contexto de aparente descrédito do socialismo, este vazio ideológico proporciona à Igreja uma oportunidade única: redescobrir uma visão totalmente diferente da praxe social e econômica. Esta visão funda-se no âmago mais profundo das Escrituras.
A Bíblia não aceita a injustiça como uma condição permanente. Pelo contrário, são dadas ao povo de Deus as instruções para desmantelar os principais códigos e estruturas de uma riqueza e de um poder estratificados, para que todos deles possam participar. Esta concepção da sociedade e da economia é expressa em diversas passagens: no Êxodo (cap. 16), nas leis do Levítico (25), nas exortações do Deuteronômio (15), nas profecias de Isaías (5), nas parábolas de Jesus (Mt 25), nos veementes apelos dos apóstolos (2 Cor. 8-9).
Não atraiçoar o sábado
«Sábado» deriva do hebraico shabat, que significa repousar, ou deixar de trabalhar. Encontra-se na Bíblia no fim da narração da criação (Gênesis 2) e assume-se em todos os livros como o fundamento da visão social e econômica da Bíblia. Os homens são convidados a imitar a Deus na prática do sábado: recorde-se a típica narração de fome e de pão do Êxodo (o maná do cap. 16), encaixada num contexto de histórias de sede e de água.
Os antigos israelitas, tal como os modernos norte-americanos, não conseguiam imaginar um sistema económico diferente do dominante, na altura o egípcio: um sistema complexo, militar, industrial, tecnológico, que os havia tornado escravos. Os israelitas foram libertos da escravidão, mas encontravam-se a viver a dura realidade da sobrevivência fora do sistema imperial, de encontrar que comer.
O maná não é apenas um milagre que enche o estômago. É a alternativa de Deus à economia do Egito: o pão que cai do céu é símbolo da sementeira e da colheita como dons de Deus. O primeiro ensinamento ao povo liberto diz respeito a uma forma de produção econômica!
Moisés dá três indicações concretas para entrar nesta economia alternativa.   
1. Cada família deve recolher só o necessário para o seu consumo. Na economia de Deus não há lugar para o demasiado ou para o pouco de mais: isto contrasta radicalmente com o capitalismo moderno em relação à riqueza e à miséria. Esta teologia do «quanto basta» é sublinhada por uma outra versão do trecho do maná, provavelmente posterior (Números 11), onde o povo, que se lamentava por só ter maná e não carne, é castigado com carne «de mais».
2. O maná não pode ser acumulado nem armazenado. No Egito, riqueza e poder definiam-se pela capacidade de poder armazenar coisas supérfluas. Não é por acaso que o trabalho forçado do povo israelita consistia na construção de cidades-armazéns para o faraó (Êxodo 1), onde se recolhiam os despojos e as taxas das populações vencidas: esta acumulação prefigura já o capitalismo moderno. A Bíblia entende que as civilizações dominantes exercem uma força convergente e absorvem trabalho, recursos, riquezas e uma cada vez maior concentração de poder idolátrico (o protótipo deste processo é a história da Torre de Babel, Gênesis 11). Por isso, Israel é convidado a fazer circular a riqueza redistribuindo-a e não a concentrá-la acumulando-a.
3. O mandamento de observância do sábado foi dado ainda antes dos dez mandamentos no monte Sinai. Se alguém não observar o sábado morrerá (Êxodo 31). O sábado é o início e o fim da lei.
Por isso, nós tornamos vulgar (e até profanamos) o sábado se o considerarmos simplesmente como um dia em que os hebreus faziam o estritamente necessário. A prescrição de um repouso periódico para a terra e para os homens que trabalham significa destruir a tentativa (a tentação) do homem em controlar a natureza e de maximizar a produção.
A história do maná mostra que o homem depende de uma economia de graça divina. Observar o sábado significa lembrar-se todas as semanas de dois princípios básicos da economia: o objetivo do «quanto basta» para cada um, e a proibição da acumulação de riquezas. Esta visão contrasta totalmente com a economia que hoje conhecemos. A nossa incredulidade é mesmo antecipada com um certo humorismo pela própria Bíblia: o termo maná deriva da expressão de incredulidade «o que é isto?».
O código de justiça social do sábado alarga-se a um ciclo de sete anos (Êxodo 23) em que também os pobres e os animais selvagens poderão livremente comer; o livro do Levítico define o jubileu como o ano do sábado por excelência (celebra-se após o 49º ano, ou seja, cada sete ciclos de sete anos): a sua finalidade é desmantelar as estruturas da desigualdade social e econômica pela remissão das dívidas aos membros da comunidade; a redistribuição da terra aos primitivos proprietários; a libertação dos escravos. A razão profunda deste reequilíbrio unilateral da comunidade baseia-se na certeza de Israel de que a terra pertence a Deus e que o povo do êxodo, liberto da escravidão do Egito, jamais haveria de regressar a um sistema de nova escravatura.
O autor do Deuteronómio (15) quis ir tão além que até incluiu o perdão das dívidas no ano do sábado. Era uma barreira colocada à inevitável tendência da sociedade humana em concentrar riqueza e poder nas mãos de poucos, criando uma hierarquia de classes. Nas sociedades agrícolas, como o Israel bíblico (ou como parte do Sul dos nossos dias), o ciclo da pobreza inicia-se quando uma família cai na espiral da dívida, que se agravam quando a família tem de vender a terra para pagar os juros, e fecham-se quando as pessoas vendem a única coisa que lhe resta: a sua força de trabalho. Tornam-se então escravos. Na Antiguidade não havia bancos e por isso eram os grandes proprietários de terras que tinham dinheiro para emprestar e que, quando não podiam pagar, os tornavam escravos nas suas propriedades.
Prisioneiros da ortodoxia do mercado
A Igreja tem dificuldade em escutar esta boa nova. A nossa teologia esteve por muito tempo prisioneira da ortodoxia do mercado do capitalismo moderno. Foi assim que os nossos medos nos convenceram de que o jubileu bíblico é, na melhor das hipóteses, uma utopia – na pior, ideologia comunista.
Isto conduz-nos, uma vez mais, à Bíblia: não há dúvida de que o mandamento de observância do sábado era regularmente esquecido por aqueles israelitas que pretendiam consolidar a sua posição social e as suas riquezas.
A traição ao sábado por parte dos israelitas transforma-se numa censura constantemente levantada pelos profetas. Isaías acusa os chefes de terem roubado os pobres (Isaías 3, 14-15); Amós acusa os comerciantes de considerarem o sábado um obstáculo aos seus negócios e de tratarem os pobres como um grupo a explorar em vez de salvaguardarem os seus direitos às alimpas (Amós 8, 5-6), Oseias lamenta que a fidelidade ao comércio internacional tenha tomado o lugar da aliança com a economia divina da graça (Oseias 2, 7). Mas o trecho mais explícito é o que atribui a destruição de Jerusalém à incapacidade do povo em observar o sábado (2 Crônicas 36, 20-21; Levítico 26, 34-35).
Também (e sobretudo) Jesus
A economia do sábado caracteriza também o núcleo do ensinamento de Jesus e torna-se motivo de conflito entre Jesus e a ordem instituída dos judeus, conflito que lhe custará a morte.
Não é por acaso que, entre as inúmeras possibilidades que a Bíblia lhe apresenta, Jesus opta, para definir a sua missão (Lc 4), pelo capítulo 61 de Isaías, o profeta onde a economia do sábado é plenamente reabilitada.
Na oração do pai-nosso (Lc 11) e em todos os Evangelhos o verbo empregue para exprimir o perdão dos pecados é o mesmo utilizado para cancelar as dívidas.
Ao contrário da sociedade em que vivemos, que se recusa a ver as dimensões econômicas de comportamentos imorais ou criminosos, os Evangelhos não espiritualizam «o pecado» e não ignoram a realidade da dívida, apresentando os dois aspectos em profunda correlação.
A exortação de perdoar setenta vezes sete (talvez uma referência ao sistema jubilar do Levítico e a Génesis 4, 24) é seguida e explicada por uma peroração, política e econômica, sobre a responsabilidade de perdoar as dívidas (Mt 18). No capítulo segundo de Marcos, Jesus permite aos seus discípulos colherem espigas em dia de sábado para matarem a fome sem olharem às convenções sociais. E eis a estocada: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado.» Não é uma afirmação de posse, menos ainda uma anulação da lei do sábado. Pelo contrário: afirma-se que o sábado faz parte da criação divina, e que a sua finalidade é a de nos tornar mais humanos, num mundo onde, pelo contrário, uma parte tão grande do pensamento e da prática social e econômica nos desumaniza.
Mas há mais: Jesus procura fundar comunidades entre grupos alienados social e economicamente. Chama Levi (Mateus) a segui-lo, e Levi abandona a sua atividade de cobrador de impostos. Porque é que este comportamento suscita tanta celeuma nas autoridades? A resposta encontramo-la no episódio de Zaqueu (Lc 19). Este rico credor também recebe Jesus, mas compreende imediatamente que, para o hospedar, tem de reparar uma grande injustiça econômica: «Dou aos pobres metade dos meus bens e se prejudiquei alguém restituo-lhe o quádruplo.» É este programa econômico «nivelador» que é recusado por quem determina oficialmente as dívidas. Ontem como hoje.
Levi e Zaqueu acolhem a libertação proposta por Jesus através da redistribuição dos bens. Um outro homem, rico, não consegue e recusa-a (Mc 10, 21). É interessante notar que na fórmula empregue pelos Evangelhos para indicar a opção de seguir Jesus («deixaram tudo e seguiram-no») é usado o verbo aphiemi, deixar, que é o mesmo utilizado para perdoar os pecados e as dívidas. Jesus espera que os seus discípulos adotem a sua economia fundada na graça. E promete-lhes que, se deixaram a casa, a família e os campos (ou seja, a economia agrícola do seu tempo, os locais de consumo, força de trabalho, produção), receberão cem vezes mais...
Nesta nova economia, que Jesus chama Reino, não haverá nem pobres nem ricos. Por isso, os ricos não podem lá entrar. Esta perspectiva é tão radicalmente diferente da nossa visão da economia que, então como hoje, os discípulos têm dificuldade em crer que ela é verdadeira (Mc 10, 26).

quinta-feira, 11 de março de 2010



Unama
CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2010
POR UMA ECONOMIA A
SERVIÇO DA VIDA

A Campanha da Fraternidade 2010 busca levar à população uma consciência de economia a serviço da vida, a partir do esforço conjunto das igrejas cristãs e de pessoas de boa vontade, com vistas a uma sociedade sem exclusão. Na Unama, é possível realizar gestos concretos nesse sentido participando dos encontros fraternos da Pastoral Universitária, que acontecem semanalmente no campus Alcindo Cacela. (pág.3).

Comunicado Unama








Semanário da Universidade da Amazônia - Ano XXIX - No 1552 - Belém - Pará - 8/03/2010 - Editor: João Carlos Pereira Pág.3


Ação busca uma sociedade mais consciente
CAMPANHA DA FRATERNIDADE
Em todo o país, muitos cristãos vivem o período da quaresma, momento comemorado pela Igreja para simbolizar os preparativos para a Páscoa. É nesse contexto que a Campanha da Fraternidade de 2010 é transmitida à sociedade. Este ano, a Campanha aborda o tema “Economia e Vida”, sob o
lema “Não podes servir a Deus e ao dinheiro”. Enquanto isso, na Unama, a Pastoral Universitária inicia as primeiras ações deste semestre, as quais, assim como a Campanha da Fraternidade, são destinadas a toda a população, independente de credo religioso. Elaborada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, a Campanha da Fraternidade é realizada pela terceira vez de modo ecumênico, sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC. A intenção é resgatar valores cristãos em uma sociedade voltada para o consumismo e o individualismo.

TEMA De acordo com a assessora do Conselho Amazônico de Igrejas Cristãs – CAIC para a Campanha da Fraternidade, Roseane Brito, a escolha do tema deste ano foi feita muito antes da crise econômica mundial. “Na verdade, a Campanha deste ano dá continuidade à do ano anterior, cujo tema era ‘Solidariedade e Paz’. A expectativa é levar às pessoas uma consciência de economia a serviço da vida, fundamentada no ideal da cultura da paz a partir do esforço conjunto das igrejas cristãs e de pessoas de boa vontade, para que todos contribuam na construção de um bem comum, em vista de uma sociedade sem exclusão”, explica. A assessora lembra que, desde dezembro do ano passado, a Campanha é trabalhada em nível estadual, capacitando assessores para transmitir o tema deste ano, com o objetivo de elaborar projetos de economia solidária, nos quais todas as pessoas possam estar inseridas, independente da religião. Mais do que transmitir o tema, a Campanha da Fraternidade objetiva fazer com que os cristãos possam, por meio de gestos concretos, propor ações para mudar o quadro atual de exclusão. PASTORAL UNIVERSITÁRIA Participar das atividades da Pastoral Universitária da Unama pode ser uma boa opção para concretizar essa ideia. “A pastoral realiza encontros fraternos todas as quartas-feiras, das 18 às 19h, no anexo do auditório B- 100, no campus Alcindo Cacela. Nós nos reunimos para realizar estudos bíblicos e ações em favor de irmãos mais necessitados. Procuramos sempre ajudar comunidades carentes com a arrecadação de alimentos, por exemplo, sempre em parceria com a Arquidiocese de Belém”, explica a professora Ana Cláudia Vallinoto, coordenadora da Pastoral na Unama e do curso de Pedagogia da instituição. Além de poder se juntar ao grupo ou participar de alguma ação desenvolvida por uma igreja, quem tiver interesse em colaborar com as ações da Campanha da Fraternidade, tem a opção de fazer ofertas no Domingo de Ramos. Nesse dia, 40% do que for arrecadado irá para o Fundo Ecumênico de Solidariedade. “O Fundo ajuda a concretizar os projetos de superação de exclusão social e econômica”, explica Roseane Brito. Além da oferta, também é possível realizar doações pessoais ou familiares para o Fundo por meio de depósito na Caixa Econômica Federal, agência 2220, conta 020-1 - operação 003, e enviar comprovante de depósito para (61) 2103-8303. “Esse é um bom momento, já que a Campanha congrega as igrejas cristãs, para ficarmos atentos aos objetivos que ela propõe e nos voltarmos para uma busca por conversão pessoal, assumindo um compromisso de boa vontade para com o próximo. Viver de forma mais concreta a vida cristã”, comenta a professora Ana Cláudia. Fotos: Helder Leite

quarta-feira, 10 de março de 2010

OAB


SEXTA-FEIRA, 5 DE MARÇO DE 2010

OAB dá passo atrás

Personalidades premiadas pela OAB – PARÁ, com o premio de Direitos Humanos, mostram-se indignado com decisão do seu Conselho Deliberativo, sobre Belo Monte.
Nós, Antônia Melo da Silva, Cacique Dada Borari, Congregação de Notre Dame, Pe. Edilberto Sena, Dom Erwin Krautler, Frei Henri Burin des Roziers, há dezenas de anos empenhados na defesa da Dignidade e dos Direitos Humanos na Amazônia e por isso reconhecidos pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Pará, e homenageados com o Prêmio de Direitos Humanos José Carlos Castro, manifestamos o nosso total repúdio à declaração de apoio desta instituição à Construção da Hidrelétrica de Belo Monte, aprovada por seu Conselho Deliberativo no dia 26 de fevereiro de 2010.

Não entendemos como a atual gestão de tão respeitada entidade pode tomar uma posição diametralmente oposta ao Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, que dispõe: “Art.44 A Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I - Defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”. O Conselho Deliberativo da OAB-Pará, com uma pressa inexplicável aprovou a construção da hidrelétrica de Belo Monte, sem sequer convidar representantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal para inteirar-se dos reais motivos que levam estes órgãos a questionar judicialmente o projeto.

O impacto social que Belo Monte causará é o campo específico em que advogados são chamados a agir: “Defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis”. No entanto, ao aprovar Belo Monte, a OAB está desrespeitando o Estado Democrático de Direito e, ao não convidar membros dos dois Ministérios Públicos, se torna omissa quanto à defesa da Constituição.

A previsão de construção da Hidrelétrica deveria pôr a OAB até em estado de alerta, pois cidadãs e cidadãos e povos indígenas, todos eles brasileiros, ficarão aviltados, violados em seus direitos e indelevelmente marcados pelas agressões que sofrerão por determinação de um governo autoritário que se nega a escutá-los como mereceriam. Lamentavelmente as condicionantes que acompanham a Licença Prévia não se referem à desgraça de que milhares e milhares de pessoas humanas serão vítimas.

Honrando os prêmios que nos foram outorgados pela OAB para enaltecer o nosso empenho em defesa da vida, da justiça e do meio-ambiente na Amazônia, vimos afirmar:

Nós esperávamos que a OAB, de acordo com o seu Estatuto, antes de qualquer manifestação a favor ou contra o empreendimento hidrelétrico de Belo Monte, exigisse do Governo explicações detalhadas sobre o futuro das famílias que serão arrancadas de seus lares e a respeito do povo de Altamira que permanecerá na cidade, mas será exposto à toda sorte de pragas e doenças endêmicas, pois terá que viver à beira de um lago de águas estagnadas, podres e mortas. As condicionantes não falam desta tragédia programada. Como então a OAB pode endossar as condicionantes da Licença Prévia qualificando-as como suficientes?

Nas audiências públicas, os órgãos do Governo cumpriram apenas um ritual seco para atender à letra de parágrafos sem, no entanto, fazer valer a Lei, levando em conta os verdadeiros objetivos de uma audiência pública. Também naquelas ocasiões os representantes dos Ministérios Públicos Estadual e Federal não foram convidados à mesa. Mataram assim deliberadamente o espírito da lei. Por que a OAB não cumpre a sua missão de denunciar essa farsa?

Chegamos até a cogitar a devolução dos prêmios. Não o faremos por entendermos que com isso desmereceríamos a entidade como um todo, a gestão anterior que, de forma ativa e decidida promoveu a Defesa da Vida dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente e ainda o renomado advogado que deu o nome ao prêmio, José Carlos Castro.

Lamentamos que a atual gestão, de mãos dadas com o Governo e seus órgãos, se tenha precipitado em tomar decisões sem considerar a dimensão e abrangência dos impactos. Essa atitude arbitrária macula a histórica postura da OAB na sua atuação em defesa dos direitos dos cidadãos e cidadãs brasileiros e do meio ambiente na Amazônia em que vivemos.

Belém, 04 de março de 2010.

Antônia Melo da Silva - Altamira
Cacique Dada Borari – Santarém
Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur /por Irma Dorothy - Belém
Pe. Edilberto Sena - Santarém
Dom Erwin Krautler - Altamira
Frei Henri Burin des Roziers - Xinguara

show aparecida


Iva Rothe: Tudo sem explicação, quando o sentimento aflora


Por Dani Franco – jornalista e colaboradora do Guiart*

  Segura, serena, forte, singela, firme, alegre, poética. Os adjetivos se encaixam, cada um, em muitas das mulheres que somos e que conhecemos, mas dessa vez, todos eles voam para mesma direção, a cantora e compositora Iva Rothe, que acaba de mostrar seu terceiro trabalho, “Aparecida”.

  Repleto de signos e sons, o show de lançamento do CD homônimo veio banhado de luz, apresentando no palco uma mulher que se transforma a cada nota, a borboleta banhada em águas e que vira sereia, cabocla, ribeirinha, amante, mulher. Iva chegou assim, em asa aberta de pleno vôo, lavando a alma e os olhos com o lirismo, a melodia e a poesia de suas doze canções.

  Elaborado a partir de pesquisas realizadas pela artista em comunidades da região amazônica, “Aparecida” é um resultado não apenas da maturidade técnica da cantora, mas também, a expressão terna de sua singularidade sensitiva. A inclusão dos samplers, das vozes documentadas e ritmadas com “quês” eletrônicos poderiam ter soado exagero ou lugar comum, mas a simplicidade e talento de Iva imprimiram um som limpo, bem humorado, leve e, no mínimo, instigante. Sua clareza musical aliada a parcerias de artistas como Pio Lobato e Beto Fares foifundamental para fazer deste o seu trabalho mais maduro; canções como o brega “Passante” e o carimbó com guitarrada de “Sereia”, reafirmam isso.

  “Aparecida” nos leva a refletir sobre o espelho, sobre a transmutação que vem da água, dos dissabores e desejos da mulher que cresce através do amor, da melodia, da força e da beleza. É difícil, porém, dizer que toda mulher é aparecida, mas é fácil afirmar que todas aparecem, simplesmente porque ser mulher nos transparece.

* Essas e outras postagens podem ser lidas em www.danimaedaclaricefranco.blogspot.com