1. O mundo como vontade Aos olhos de Schopenhauer, o homem existe apenas na medida em que é um fenômeno da Vontade, uma objetivação da coisa-em-si do mundo, isto é, da Vontade.Schopenhauer considerou o mundo sobre dois aspectos: o fenômeno e a coisa-em-si.
Ao aspecto fenomênico do mundo, entende-se aquele que é representação, forma de representação que obedece aoprincípio da razão suficiente, atribuindo sempre uma causa ao que acontece.
O mundo enquanto fenômeno segue as regras do intelecto humano:
“(...) tudo o que existe, existe para o pensamento, isto é, o universo inteiro apenas é objeto em relação a um sujeito, percepção apenas, em relação a um espírito que percebe (...)”, é um mundo como objeto para um sujeito cognoscente humano.
Como fenômeno, Schopenhauer percebe a experiência de um mundo apenas como objeto da experiência sensível ou objeto da ciência; em toda parte em que há conhecimento é o sujeito que conhece.
Para Schopenhauer o mundo não é só um objeto para o sujeito que o representa, isto é, fenômeno, o mundo também é um em-si, uma essência que não corresponde à dimensão da representação.
A esse aspecto essencial de mundo como coisa-em-si, é denominado pelo filósofo como Vontade, que deve ser descoberta por uma “via subterrânea”, que ele denomina o corpo. Essa essência do Mundo, será atingida por meio de uma analogia com o ser humano.
O homem é o lugar em que a vontade se objetiva e se revela, essa coisa-em-si, essa força obscura vital, é o aspecto do mundo que não pode ser reduzido à representação.
O corpo humano é o lugar em que o homem faz a experiência de uma força que lhe é estranha, que o domina e a qual ele obedece maquinalmente.
O mundo como Vontade é para o sujeito que conhece uma força cega e dinâmica, enquanto o mundo como representação segue o princípio de que tudo o que acontece deve ter uma causa, uma razão de ser, o mundo como vontade não pode ser regrado pelas formas da razão-causalidade, esse mundo em-si será então “sem razão” (grundlos), impossível de ser explicado pela série de causas.
Esse mundo “sem razão” é portanto, a essência, a coisa-em-si, a verdade do mundo. O mundo vivido e não apenas representado, é aplicado aos diversos reinos da vida. É um harmonioso e terrível espetáculo da vida das espécies, onde a vontade se objetiva no corpo humano, se mostrando como uma força “sem razão”, sem “explicação causal”.
Essa essência de mundo está presente desde a matéria bruta até a matéria viva, é a força dinâmica e vital que está presente na pedra que cai, na planta que vegeta e no animal que possui um conhecimento inteiramente submetido à vontade de viver; essa força obscura é revelada no corpo, e os graus da vontade são revelados na escala das formas vivas, que é o caminho que a vontade percorre em direção a forma superior que é a forma humana.
Schopenhauer considera o caráter da vontade como uma luta geral, a natureza como uma guerra perpétua pela existência, referindo-se ao ciclo vital que constitui um combate incessante entre as espécies.
É a imagem de uma natureza que devora a si mesma, por meio de suas figuras fenomênicas, é o destino de cada ser vivo, que só pode viver à custa de outra vida, ele vê nisso uma prova do caráter angustiante da vontade, essa “vontade que se divorcia dela mesma”, essa luta perpétua que sustenta a vida.
A natureza sempre segue seu objetivo principal que é a conservação de todas as espécies, a natureza é uma “agitação sem trégua” e por isso o indivíduo não tem nenhum interesse para a natureza; o homem segue a mesma inclinação que os animais querendo “prolongar e conservar a sua vida o máximo possível”, e enquanto indivíduo ele não percebe o caráter opressivo e monótono da vontade em geral.
Schopenhauer considera o homem, sob o aspecto natural, um animal um pouco mais complexo intelectualmente que os outros, mas que também sofre tanto quanto os outros desse impulso cego que é a vontade.
2. O homem em SchopenhauerPor vontade e vontade de viver, Schopenhauer entende o mesmo, vontade é a força obscura que faz um esforço igualmente obscuro na matéria inorgânica, um movimento funcional no mundo vegetal e uma ação motivada no animal. Há um sistema hierárquico como ordenação dos graus da vontade, sendo asIdéias, que
são tipos por meio dos quais a vontade se objetiva, ascendem ao ponto mais alto que é a idéia do homem.A escalada dos seres vivos segue um movimento em direção ao indivíduo, e é apenas o homem que é indivíduo. “
É nos graus extremos da objetividade da vontade que vemos a individualidade se produzir de uma maneira significativa, especialmente no homem (...)”.
A forma objetivada da vontade, o homem, é individual, o mineral não, ambos são sem razão, inexplicáveis, mas o indivíduo não pode ser encontrado na matéria inorgânica.
Quanto aos animais eles possuem apenas um ligeiro vestígio de individualidade, mas o que domina de forma absoluta neles é o caráter da raça.
A vontade em-si é una e a mesma, suas formas visíveis são múltiplas e diferentes, isto é, o mundo visível é constituído pelos graus de objetivação da vontade una e indivisível.
“A idéia de homem tinha necessidade, para se manifestar em todo o seu valor, de não se exprimir sozinha e desligada, mas devia ser acompanhada da série descendente dos graus através de todas as formas animais, passando pelo reino vegetal até chegar a matéria inorgânica: eles formam um todo e reúnem-se para a objetivação completa da vontade; a idéia de homem os pressupõe, como as flores pressupõe as folhas da árvore, os ramos, o tronco e a raiz: eles formam uma pirâmide da qual o homem é o topo. Além disso, por pouco que se goste das comparações, pode-se dizer que o seu fenômeno acompanha o do homem de um modo tão necessário como a plena luz é acompanhada das gradações de todas as espécies da penumbra através das quais ela passa para se perder na obscuridade. Podemos também chamar-lhe o eco do homem e dizer: o animal e a planta são a quinta e a terceira menores do homem: o reino inorgânico é a sua oitava inferior.”
Essa rica descrição estética nos mostra a visão hierárquica dos seres vivos em uma totalidade harmoniosa, que recobre o horror da vontade “sem razão”. Assim, deixando de lado o caráter estético, a vontade permanece a mesma: “fora dela, não há nada, e ela é uma vontade esfomeada”.
Schopenhauer ainda define o homem como “marionetes puxadas não por fios exteriores (...) mas movidas por um mecanismo interior”, isto é, a espécie humana obedece como os outros animais a um “mecanismo interior”, assim o homem está completamente situado nesse mundo de caráter absurdo e sem razão que é o mundo como vontade. O homem é uma idéia, uma objetivação da vontade. É a natureza chegada ao mais alto grau da consciência de si-mesma.
Para Schopenhauer só a vontade é livre, o mundo fenomênico está inteiramente submetido a uma necessidade absoluta: a natureza está marcada pela necessidade. A liberdade empírica é uma grande ilusão, os atos particulares do homem não possuem nenhuma liberdade, na escolha, não é a razão que escolhe, é
a vontade, inacessível ao intelecto, que nega o livre-arbítrio com sua força. A vontade é a essência primeira, a idéia de escolha através do conhecimento torna-se impensável.
Na visão Schopenhaueriana, o homem deseja e depois conhece o que deseja, é uma relação de isolamento e subordinação do intelecto em relação a vontade que faz a conduta humana. Nesse mundo a única liberdade é a negação da vontade.
3. O amor que enganaAfirmar a vontade é afirmar o corpo, satisfazer as necessidades corporais é dizer sim ao desejo e ao sofrimento, é a posição que quase todos os homens têm para sua vida: a vida ordinária; e a vontade de viver se afirma energicamente no “ato de procriação”, na sexualidade.
“Todo enamorar-se, por mais etéreo que possa parecer, enraíza-se unicamente no impulso sexual, e é apenas um impulso sexual mai bem determinado, mais bem especializado e mais bem individualizado no sentido rigoroso do termo.”
É no impulso sexual que a vontade se expressa em uma potência elevada como vontade da espécie. Assim o impulso sexual, tem por fim último a vontade da natureza, que usa o impulso sexual do indivíduo para conseguir atingir seu objetivo, procriar a espécie. A inclinação amorosa entre um casal já é a vontade de vida do novo indivíduo, e a natureza cumpre seu papel, criando no indivíduo uma certa ilusão, na qual ele acredita estar fazendo um bem para si mesmo, quando é à espécie que ele está servindo, isto é, a natureza utiliza o indivíduo para a conservação da espécie.
4. RazãoO homem mantém uma posição superior em comparação a outros seres vivos, por possuir uma força a mais que o animal: a razão e a capacidade de criar conceitos. Essa superioridade é a capacidade de entregar-se a hesitação e à incerteza, sem a segurança infalível do instinto, tornando o homem passível de erro.Ao advento da razão, o homem perde sua ingenuidade, e aprende a dissimular e a fingir, se percebe a perversidade. Agora, entre o homem e sua vontade de viver existem motivos, astúcias da razão.
5. O pessimismo e a negação da vontade
O desejo humano e o prazer são dominados pela falta, onde toda satisfação está ligada a um estado anterior de necessidade ou de insatisfação, o sofrimento é a essência do desejo, e o prazer é apenas a satisfação de um desejo que nasceu dessa carência.
Schopenhauer vê o ser humano em lugar privilegiado do sofrimento, pois “ à medida que a vontade adquire uma forma fenomênica mais acabada, o sofrimento também se torna mais evidente”. Para ele há uma relação entre consciência e sofrimento, quanto mais superior no homem for o espírito, mais visível se torna o sofrimento, pois a dor é mais forte em um espírito mais capaz de senti-la, de experimentá-la. Com a razão, o homem também torna-se consciente da “certeza da morte”.
O tempo acompanha o ritmo de “sede inextinguível do desejo”, quando o desejo não está, está o tédio, e quando o tédio se vai tem-se novamente o desejo, a isso Schopenhauer diz que: “a vida oscila, portanto, como um pêndulo, da direita para a esquerda, do sofrimento ao tédio". É um círculo vicioso da perpétua condenação ao desejo, onde o movimento da vida submete-se ao movimento do desejo, que é uma falta, logo uma dor.
A alegria no homem é apenas uma felicidade negativa, a verdadeira felicidade está em recusar a vontade. Enquanto dominado pela vontade, conhece apenas o sofrimento ou o tédio. Quando satisfeito, o homem, não encontra serenidade ou calma, apenas encontra o tédio. Ao homem resta, ou o “desejo de viver”, ou o desejo de se livrar do fardo da existência, ou é uma obrigação ou algo a deixar de ser.
A negação da vontade é a alternativa para extinguir o tédio e o sofrimento, mas essa negação, ou seja, a morte é “na linguagem da natureza, a aniquilação”. O homem impõem-se à natureza pelo “(...) conhecimento, ao contrário, bem longe de ser a origem do apego à vida, (...) desvela a ausência de valor da mesma e, assim, combate o temor da morte” é o triunfo da razão sobre o “apego a vida, irracional e cego”.
O mundo em-si é imperfeito e enganador e o homem é um ser cruel para ele mesmo. A existência é uma dívida perpétua que só a morte paga inteiramente. O mundo é mau porque torna as criaturas infelizes.
BIBLIOGRAFIASCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como vontade e representação. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do amor/ Metafísica da morte. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.